Famílias começam a ser desalojadas em Altamira.
Posted: September 15th, 2013 | Author: Amazônia em Chamas | Filed under: Geral, Xingu Vive | Comments Off on Famílias começam a ser desalojadas em Altamira.Por AmazÔnia em Chamas em junho de 2013
Fotos por Lalo de Almeida e Xingu Vivo, 2013
As periferias de Altamira: São nelas que a Norte Energia começou a realizar em agosto/2013 o deslocamento compulsório referente às obras da hidrelétrica de Belo Monte. Em resumo, as áreas precisam ser desocupadas para a formação dos reservatórios, implantação da infraestrutura logística e construção das estruturas componentes do arranjo geral do empreendimento. Após uma serie de reuniões realizadas pela Norte Energia nos bairros atingidos desde o mês de abril/2013, a empresa deu início às desapropriações com a mesma violência com que vem sendo executadas nas áreas rurais desde o ano de 2010. Aliás, a violência é parte integrante e fundamental de todas as grandes obras que necessitam deslocar pessoas.
Com Belo Monte, o curso dos procedimentos até aqui mostra que em Altamira não será diferente. As fragilidades já estavam deflagradas desde a elaboração dos estudos de impacto ambiental e na montagem dos cadastros socioeconômicos, o que já está refletindo, sem dúvida, na condução dos projetos.
Todo o processo de remoção e reassentamento está sendo realizado com base nestes cadastros. Não custa lembrar que o Painel de Especialistas que analisou a fundo o EIA de Belo Monte apontou diversas incongruências nos levantamentos feitos sobre as famílias das áreas atingidas pela usina, tanto nas rurais quanto nas urbanas. O Ministério Público Federal do Pará também alertou para esse erro em 2012, mostrando que o número de pessoas a serem deslocadas em Altamira é de cerca de 25 mil famílias e não de 16 mil conforme era afirmado pelos empreendedores inicialmente. Em se tratando de um empreendimento do porte de Belo Monte, uma diferença de mais de 10 mil famílias a serem deslocadas é um verdadeiro escândalo. Afinal há de se convir que não se trata de um pequeno erro. A conclusão óbvia é de que tanto a remoção das pessoas quanto o seu reassentamento terão enormes problemas que, provavelmente, serão tratados de forma apressada e violenta, como ocorreu nas usinas de Tucuruí (PA), Santo Antônio e Jirau (RO), e vem acontecendo neste momento na usina de Estreito (TO/MA).
Mais os alertas de nada serviram, pois a primeira remoção realizada pela Norte Energia já ocorreu exatamente da forma que se temia. A família de Eliel Xavier foi obrigada por determinação judicial a se retirar da casa em que vivia próximo à orla do cais de Altamira há mais de 25 anos. A indenização calculada pela Norte Energia para o terreno de 356,48 m2 foi de quase R$ 21 mil, o que certamente não compra outro terreno na região central de Altamira. Nas áreas mais afastadas, um terreno com 200 m² está custando atualmente cerca de R$ 20 mil.
Quais são os critérios para estas indenizações
Os valores das indenizações certamente continuarão a serem definidos de forma arbitrária já que, até as últimas reuniões realizadas pela Norte Energia nos bairros afetados, o processo de avaliação de bens e imóveis ainda não tinha sido devidamente esclarecido e, portanto, as pessoas que sofrerão as remoções não conhecem minimamente os critérios que baseiam os cálculos sobre suas casas mesmo às vésperas de serem expulsas. A NESA afirmava nas reuniões que “em breve o Caderno de Preços seria divulgado”.
O problema é que esses critérios que ainda estão obscuros fundamentam todas as categorias de remoção e atendimento. Sejam elas as retiradas com as indenizações, a relocação assistida (carta de crédito) ou o reassentamento urbano. Sobre as duas primeiras, muitas questões devem ser colocadas, como: há imóveis que podem ser comprados com a Carta de Crédito ou a indenização dentro de Altamira com a mínima garantia de acesso aos serviços básicos, tais como postos de saúde, escolas, creches e hospitais?
Quanto ao reassentamento urbano, este é um capítulo à parte de todo esse processo. Consiste na remoção das pessoas para outras áreas na cidade de Altamira, para casas construídas pela Norte Energia. Esse tipo de atendimento já vem causando muitas polêmicas entre os moradores dos bairros afetados. São inúmeros os problemas até aqui apresentados na condução do reassentamento. Os critérios inicialmente estabelecidos nos estudos de impacto ambiental e no PBA são questionados a todo momento em função de suas enormes contradições em relação às informações mais recentes a respeito do projeto.
Alterações nos planos não são noticiadas aos moradores.
O Movimento Xingu Vivo avalia que a Norte Energia realizou alterações muito importantes nos planos do PBA e isso não foi noticiado de maneira adequada aos moradores das áreas afetadas. As principais mudanças apontadas dizem respeito às casas que estão em construção para receber as pessoas deslocadas. A realidade é que o tempo de cumprimento dessa medida condicionante está se esgotando e a Norte Energia resolveu mudar os projetos para torná-los rapidamente “executáveis”. O PBA e os informativos da NESA que saíram até agosto do ano passado afirmavam que as casas seriam todas em alvenaria e estariam de acordo com o tamanho das famílias (63 m², 69 m² e 78 m²). No entanto, a Norte Energia anunciou nas reuniões nos bairros este ano e em informativos mais recentes que as casas são industrializadas e todas feitas em concreto, com 63m², independente de quantos indivíduos integrem as famílias. A laje será de concreto armado, telhado com estrutura metálica e os terrenos não possuirão cercas ou muros. Caso queiram cercar seus terrenos, os próprios moradores é que deverão construir ou mesmo levar (!) os muros de suas casas atuais e reconstruí-los no local de destino. A Norte Energia afirmou que se responsabilizará pelo transporte dos muros. É uma proposta no mínimo curiosa, para não dizer absurda.
Os problemas desse tipo de construção na região podem ser inúmeros, como a falta de conforto térmico e o tempo médio de duração de cada casa que é de cinco anos. Isso sem contar com as limitações que as casas apresentam para intervenções dos moradores. Recentemente, moradores de Altamira divulgaram fotos que mostram uma casa do reassentamento que acabara de ser construída e já apresentava inúmeras rachaduras. O nível de desrespeito é absurdo.
Casas do reassentamento urbano de Altamira
Outra mudança são os locais em que as pessoas serão reassentadas, que a princípio seriam distantes em no máximo 2km dos locais de origem. Hoje sabemos que alguns assentamentos são a mais de 8km de distância do centro de Altamira e de alguns bairros atingidos pelas remoções. Recentemente também foi negociada uma área para reassentamento que fica a menos de 1km do lixão de Altamira. Lá são recebidas cerca de 155 toneladas de lixo por dia. As medidas da Norte Energia para tratamento do lixão também estão atrasadas.
O tempo que a Norte Energia tem hoje para cumprir o reassentamento é curto. Até julho do ano que vem esta etapa deve ser concluída, pois é quando se prevê o inicio do enchimento do lago da usina, de acordo com o cronograma das obras e com as exigências do Ibama. E isso pode potencializar ainda mais a violência com que as remoções serão realizadas, uma vez que a Licença de Operação da usina depende do cumprimento dessas ações condicionantes, que como um todo não vem sendo realizadas no tempo previsto. Em contrapartida, as obras da usina estão bastante aceleradas.
Para além das questões materiais ligadas ao reassentamento existe a dimensão do sofrimento das pessoas que sofrem uma remoção. Toda uma ordem de sentimentos e modos de vida são negados nesse processo, forçando indivíduos e comunidades inteiras a se adaptarem a um único “projeto de vida” materializado por meio das casas e dos bairros “planejados”.
Lixão de Altamira
A padronização das formas de vida por esse projeto e tantos outros também acaba sendo discutida apenas de forma indireta, mas é importante ressaltar que se trata da criação de uma nova realidade completamente homogeneizada, adequando as particularidades múltiplas de uma região na Amazônia a um único projeto, totalmente importado de outras realidades brasileiras e imposto aos diversos modos de vida obscurecidos pelos cadastros e diagnósticos socioeconômicos.
Isso acaba levando a uma discussão maior e talvez mais abstrata sobre as formas de sobrevivência e as relações sociais que se constroem nestes lugares e com estes lugares. Então, mesmo que o debate das pessoas seja cercado de questões de ordem prática referentes ao deslocamento, muitos outros elementos podem ser percebidos em meio às reclamações, protestos e questionamentos. De certa forma, estes elementos acabam reforçando a argumentação que se constitui para a resistência, pois deflagra a total incompatibilidade entre esse “projeto de vida” que a Norte Energia está impondo às pessoas e os modos de sobrevivência que podemos observar hoje em Altamira, sobretudo nos bairros afetados. Por isso é possível afirmar que, assim como a violência é o eixo estruturante dos processos de remoção, a diversidade de visões de mundo ainda é um dos principais pilares de sustentação dos processos de resistência à construção da usina.