Posted: December 12th, 2013 | Author: Amazônia em Chamas | Filed under: Geral, Xingu Vive | Comments Off on Impressões de uma revisita à Volta Grande do Xingu, onde se instalou um Belo (?) Monstro, em Altamira
Também cedido ao Amazônia em Chamas, pela autora.
Junho de 2012. A escavação para libertar o Xingu. Foto: Atossa Soltani/ Amazon Watch/ Spectral Q
Por Núbia Vieira
Imagem feia a que vem nos olhos, o rio sendo barrado, uma parede coberta de brita de repente o invade. Onde se instalou a empresa Norte Energia, árvore já não tem; “pelaram” morros, deve ser por medo de bicho.
Os índios Juruna, de autodenominação Yudjá, que quer dizer “donos do Rio”, não podem mais viver do Rio na região da Volta Grande do Xingu. Lembro-me de Bel Juruna naquela ocupação de junho-julho de 2012 que durou 21 dias e envolveu quase todas as etnias de Altamira. O que ela mais fervorosamente dizia em relação às condicionantes era isso: “não somos agricultores, vivemos do rio, não sabemos viver de roça e nem queremos viver de roça”. E agora está a Engetec Agrar empresa contratada pela Norte Energia para executar o PBA indígena de Atividades produtivas, levando mudas e mudas de cacau, abrindo área de plantio no trator.
Nas duas Aldeias que passamos estavam lá entulhadas manivas secas vindas ninguém sabia ao certo de onde: “a NESA quer que vocês plantem mandioca”. Mas, segundo as duas Aldeias, a maniva está seca, já não presta para plantar, apesar de que os diplomados engenheiros agrônomos não “botaram reparo” em tal fato e assim preferem acusar os índios de preguiçosos. Aliás, prática comum entre colonizadores em vários tempos históricos: quando estão a usurpar o Território e o modo de vida de um povo, acusam-no de preguiçoso, e eles, os que fazem grandes derrubadas, constroem muros no meio do Rio, esses sim são exemplos de trabalho e prosperidade.
Assim, o que poderá vir desse pensar colonizador não é mais que milhares de pés de cacau e hectares de sementes híbridas de milho, ambos plantados em sistema de monocultivo. E para além da insensibilidade desses homens que estão a pensar a produção nas Aldeias, há uma exigência que é a de mostrar serviço: a NESA precisa de uma foto para mostrar em seu site, comprovar que cumpriu “todas as condicionantes” e já não tem mais dívida com índio. Esta é uma das condições para que seja emitida, sem contestações, a licença de operação para funcionamento da Barragem, provavelmente em 2015.
E diante da necessidade da “foto”, a monocultura de cacau e milho saem melhor. A produção pensada pela Engetec Agrar não foge, de modo algum, da linha do agronegócio: insumos químicos, monocultivo, plantação em larga escala, toda a produção voltada ao mercado. E o que alertava Bel Juruna em 2012 é exatamente que os Juruna nunca produziram roças para o mercado. Plantavam para a subsistência, e o Rio, além do peixe para alimentação familiar, lhes dava a alternativa de comercialização e assim de renda. O que acontece é que o Rio que passa na frente da casa desses Juruna irá ficar boa parte do ano seco; o período de verão irá aumentar. Além disso, já atualmente a água está poluída, vira e mexe a obra de Belo Monte libera algum tipo de produto químico que desce o rio. E foi numa dessas que várias crianças das Aldeias da Volta Grande, e inclusive adultos, se contaminaram com essas substâncias tóxicas, tiveram lesões na pele e foram acometidas por diarreia.
Diante da crítica de “linha agronegócio”, os representantes do PBA – Componente Indígena de atividades produtivas poderão até justificar que estão seguindo os preceitos da Agroecologia, conforme tem sido recomendado para o trabalho com populações indígenas. Ora, infelizmente tanto a Agroecologia como outros termos e bandeiras de luta dos povos do campo são comumente mal utilizados e mal interpretados. E através de rasos argumentos sobre o que é agroecologia essas pessoas legitimam as suas invasões culturais.
Um processo de desmonte cultural de um povo não pode em hipótese alguma ser chamado de agroecologia. Logo, se o povo vive do Rio e da roça de subsistência, aí está o processo Agroecológico, que remete à verdade do jeito de produzir e viver secularmente e se dura há tantos anos é porque há harmonia e respeito na forma de lidar com os recursos naturais. Não será plantando cacau orgânico que se vai substituir este processo secular sem gerar peso na consciência.
Para o caso da água do Rio, já imprópria para consumo, a condicionante exigiu da NESA que perfurasse poços artesianos nas Aldeias. A água de quase todos os poços está salobra e com ferrugem.
A atividade da caça também já sofre impacto; a luz e o barulho da explosão de bombas que vêm do canteiro de obras espantam os bichos.
Mas essa viagem por esse circo de injustiças não para por aí. Dois dias antes da nossa visita, a NESA havia destruído o cemitério de mais de 100 anos da comunidade Arroz Cru, comunidade ribeirinha localizada ali na Volta Grande.
Foi o senhor Alexandre, o único morador que ainda resta naquela comunidade, quem relatou a situação. Ele e outros parentes de pessoas ali enterradas foram convidados pela NESA a assistir à destruição e a se responsabilizar pelas ossadas. Ali foram enterrados o avô e avó, a mãe e o pai e dois filhos de Seu Alexandre. E assim ele resumiu o sentimento que teve diante da cena: “Para mim parecia que alguém novo tinha acabado de morrer”.
Seus avós vieram do Ceará no início do século XX, por volta de 1910, pelo que nos relatou, para cortar seringa nas colocações da Volta Grande do Xingu. E não só os antepassados de Seu Alexandre, mas todos os outros que fundaram a comunidade Arroz Cru. Camponeses pobres vindos do Ceará, da Paraíba, do Rio Grande do Norte, todos inspirados na missão da primeira leva de soldados da borracha. Ali viveram da extração da seringa, por algum tempo da caça do gato para a venda de peles, então exportadas para a Europa. Essa história é a mesma de outros tantos ribeirinhos do Xingu originários dos bolsões miseráveis do Nordeste Brasileiro. Histórias assim são ouvidas, no município de Altamira, muitas vezes nas Reservas extrativistas criadas pelo Estado.
A comunidade Arroz Cru ali enfrentou de tudo: a malária, as pragas, os patrões que nessa época costumavam tratar seringueiro como escravo, os ataques dos “índios bravos”, a mudança drástica de hábitos (do semiárido para a Floresta). Foram tantos desafios, tanta coisa que se viu e viveu, e mal sabia esse povo que um dia teria que sair desse Território ao qual a duras penas se habituaram para dar lugar à geração de energia e ao progresso. Progresso que sempre os negou.
Eram 11 famílias. Todas tiveram que sair, exceto Seu Alexandre, que vai ficando até o dia em que, como ele mesmo explicou, “precisarem de sua área”. Não se sabe como está o processo de indenização de todas as famílias. Seu Alexandre irá receber um lote em Brasil Novo, município vizinho. No entanto, na sua nova morada não há rio perto e nem mata que lhe dê condições de caçar, ainda que tanto ele como os filhos tenham como principal hábito alimentar a ingestão de caça e peixe. Tendo a partir de então que comprar boa parte da despesa, a solução será o trabalho a dia em fazendas vizinhas. E assim o ribeirinho que antes era soberano em seu Território vai empregar sua mão de obra nas fazendas de gado e cacau da região, a parcos salários, com a única finalidade de ter o que comer.
O sentimento de Seu Alexandre, de morte de alguém querido, ilustra bem a destruição que vem provocando a construção da UHE Belo Monte. É a morte da memória, do lugar onde se desenhou toda uma vida.
Não se trata simplesmente de opiniões opostas, de ser contra ou a favor de Belo Monte, contra ou a favor do progresso, como gostam de mencionar a NESA e o governo, com seu posicionamento institucional. Trata-se de uma questão humana, de se repeitar a vida. Ou é, ou não é.
A UHE Belo Monte está sendo construída em cima de um Território. Território rico e diverso, cheio de histórias e memórias encravadas na terra, no corpo e nos sentimentos de seus habitantes. O cemitério da comunidade Arroz Cru é só um dos exemplos de marcas de ocupação, de memória desses povos que ali ocupam há séculos.
Também nos foi informado por trabalhadores da obra que nas áreas próximas ao Barramento, onde está sendo desmatado, tem-se encontrado cacos de cerâmica, machadinhas, utensílios indígenas, de gente que historicamente perambula por aquelas bandas. Dizem que até ossada humana já encontraram, o que é bastante provável, já que a Amazônia não é um simples vão verde como mostram as imagens de satélite.
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A ensecadeira barrou o rio Xingu, a cerca de 300 metros da comunidade já destruída por Belo Monte, Santo Antônio. Arquivo pessoal Amazônia em Chamas, fotografia analógica.
Posted: December 11th, 2013 | Author: Amazônia em Chamas | Filed under: Geral | Tags: apiaka, munduruku, sete quedas, teles pires | Comments Off on Impactos da UHE Teles Pires na voz de um Apiaka
A cachoeira das Setes Quedas, que agitava águas amazônicas e era reverenciada pela etnia Munduruku como lugar sagrado, já não desponta mais no horizonte de quem vive à margem do rio Teles Pires, entre os estados do Pará e Mato Grosso. As corredeiras desapareceram em decorrência da construção da Hidrelétrica de Teles Pires, que em setembro deste ano teve suas obras embargadas por consistentes lacunas nos estudos de impacto do projeto e curiosamente já retomadas sem que fosse apresentada uma solução para os problemas apresentados pelo Ministério Público Federal. As devastadoras consequências estão claras aos olhos dos indígenas que vivem na região. As obras já encobriram as quedas d’água, inundaram o barramento do rio e afetaram a área de reprodução de peixes migratórios como o piraíba, pintado, pacu, entre outros.
E quem fala um pouco sobre o assunto é Sidney Apiaka (etnia afetada juntamente com os Munduruku e Kayabi), que é casado com uma Munduruku, com familiares que moram na aldeia de Teles Pires. Acompanhe a transcrição de uma conversa entre o Amazônia em Chamas e o indígena.
Conversa com vídeo Sidnei Apiaka – Teles Pires
“Minha Família mora no Teles Pires, tenho família que mora na “Boca do Maruvi” na terra de Teles Pires… Inclusive fomos dá uma olhada lá na cachoeira de Sete Quedas, que eles falaram pra gente que a cachoeira tinha sumido, que não existia mais cachoeira com essa barragem. Ai a gente foi lá , quando a gente chegou lá no pé da cachoeira de Sete Quedas já não viu mais a cachoeira, já subiu tudo, porque a barragem ta enchendo muito lá em cima e a água muito suja, no rio, poluindo o rio. Peixe, que tinha muito peixe, já sumiu e pro outro lado dos kaiabi, os kaiabi falaram a mesma coisa, que lá em cima fica um pouco ruim por causa que vai prejudicar muito eles e nós aqui embaixo. Minha família mora lá, minha família de Apiaka que mora lá em cima.
Tu és Apiaka então?
Eu sou.
Como que era antes?
A cachoeira tinha Sete Quedas, tinha uma que descia, caia, corria um pouco e ai descia né, tipo uma escada assim. Coisa mais linda, quem de cima vê só fumaça, hoje em dia você chega lá e não vê mais nada, as ilhazinhas que tinha no meio, sumiu tudo.
Qual importância deste lugar para os Apiaka?
A importância de lá porque eles sobreviveram do rio e da mata, quer dizer, trabalhavam lá, tinha farinha, tinha a roça e hoje se acontecer isso mesmo que tá acontecendo de eles falaram que ainda vai encher mais um pouco, vai acontecer que vai afundar tudo e eles vão ficar desabrigado e eles vão pra onde, não tem pra onde eles irem, gente que já vem de fora lá e disse que eles não tem direito mais de nada lá na terra deles.
Chegaram pra falar lá com vocês?
Chegaram… Ai foi o tempo que teve essa base ai, o que aconteceu que ‘ele’ trabalhava na balsa, chegaram com bomba e detonando, humilharam o pessoal da aldeia tudo, ai botaram ao redor da pista tudo só bomba pra ele não poder correr , humilharam todo mundo, inclusive mataram um primo meu que tava lá.
Posted: December 11th, 2013 | Author: Amazônia em Chamas | Filed under: Geral | Comments Off on Indígenas Munduruku ocupam sede da AGU em Brasília (DF)
Publicada originalmente no site do Cimi
Fotos de Neuza Crixi repórter-munduruku diretamente de Brasília, acompanhe a sua cobertura pelo Facebook- Aqui
Brasília – 10 de dezembro de 2013 – Cerca de 50 Munduruku de aldeias do Alto e Médio Tapajós, no Pará, ocupam desde o início da tarde desta terça, 10, a sede da Advocacia-Geral da União (AGU). O movimento ocorre por tempo indeterminado, sendo organizado pela Associação Da’uk, formada em uma assembleia de caciques Munduruku há pouco mais de um mês.
Os indígenas pedem ao ministro Luiz Inácio Adams a revogação da Portaria 303, a demarcação da Terra Indígena Munduruku no Médio Tapajós e que a AGU não recorra de decisão do juiz Illan Presser, da 1ª Vara da Justiça Federal de Mato Grosso, que suspendeu o leilão para a Usina Hidrelétrica de São Manoel, no Rio Teles Pires.
O leilão estava marcado para acontecer nesta sexta, 13. Se construída a usina no Rio Teles Pires, na divisa entre os estados do Mato Grosso e Pará, aldeias e locais sagrados dos povos Kayabi e parte das aldeias Munduruku serão inundados e deixarão de existir, o que promoverá diásporas e consequências insondáveis para a continuidade da vida destes povos.
Durante a ocupação da sede da AGU, uma comissão de Munduruku tentará audiência com o presidente do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF-1), o desembargador Mário Cesar Ribeiro. O objetivo é tentar sensibilizá-lo para que mantenha a decisão do juiz Presser pela suspensão do leilão. Durante a ocupação, os indígenas Munduruku distribuíram ainda uma carta contra a usina de Belo Monte, no Rio Xingu, no Pará.
“A Portaria (303) é ruim porque permite a construção de usinas em nossos rios sem consulta ao povo e também dificulta a demarcação das terras tradicionais, que no Médio Tapajós ainda não aconteceu”, explica Josias Manhuary Munduruku. A liderança frisa que a AGU é quem briga na Justiça para que os processos que envolvem a construção de UHE, PCH e barragens sejam executados. “AGU é inimigo nosso. Não faz nada de bom”, ataca.
Há quatro meses os Munduruku do Médio Tapajós aguardam a Fundação Nacional do Índio (Funai) publicar estudo identificando da terra indígena.
Resumo:
Indígenas Munduruku ocupam sede da AGU, em Brasília (DF), pela revogação da Portaria 303, pela demarcação da Terra Indígena Munduruku no Médio Tapajós e contra as usinas hidrelétricas nos rios Teles Pires e Tapajós. Uma Comissão deverá sair da ocupação para tentar audiência com o presidente do TRF-1 para solicitar a manutenção de decisão que suspende o leilão da UHE São Manoel, no Rio Teles Pires, na divisa do Mato Grosso e do Pará.
Os Munduruku também distribuíram um documento que demanda celeridade da Justiça em todos os processos relativos a hidrelétricas nos rios Xingu, Tapajós e Teles Pires:
Hidrelétricas nos rios Xingu, Teles Pires e Tapajós: Justiça Já!
No Dia Internacional dos Direitos Humanos, exigimos que se faça JUSTIÇA JÁ nos casos
de Belo Monte, Teles Pires e Tapajós.
“Nós, índios Juruna da Comunidade Paquiçamba nos sentimos preocupados com a construção da
Hidrelétrica de Belo Monte. Porque vamos ficar sem recursos de transporte,
pois aonde vivemos vamos ser prejudicados porque a água do Rio vai diminuir, assim como a caça,
vai aumentar a praga de carapanã com a baixa do Rio,
aumentando o número de malária, também a floresta vai sentir muito
com o problema da seca e a mudança dos cursos dos rios e igarapés (…)”
Trecho de carta enviada ao MPF, Altamira, 2000
Em 15 de maio de 2001, o Ministério Público Federal (MPF) no Pará ajuizou a primeira Ação Civil Pública (ACP) contra a Usina Hidrelétrica (UHE) de Belo Monte em resposta a uma carta dos indígenas Juruna, que relatava a extrema preocupação do grupo com os boatos de que o governo federal estaria retomando o mega projeto de barramento do Rio Xingu na região de Altamira, PA.
Mais de 13 anos depois, a população do Xingu vive o terrível fato de que seus piores pesadelos estão se tornando uma realidade. As previsões sombrias da primeira ACP do MPF também vão se concretizando, e hoje já são 20 as ações do órgão contra inúmeras violações da legislação ambiental e dos direitos humanos de indígenas, ribeirinhos, pescadores, agricultores e moradores das cidades impactadas pela usina, consagrados na Constituição Federal e em acordos internacionais dos quais o Brasil é parte.
Belo Monte, cujos canteiros de obra seguem se expandindo sobre o que antes era território dos povos do Xingu, se tornou um símbolo nacional e internacional dos equívocos de um desenvolvimentismo que atropela e destrói tudo em seu caminho em nome de um suposto crescimento econômico. Suposto, porque o alardeado crescimento do PIB de 4% a 5%, que embasou o Plano Decenal de Energia em 2012, morreu na praia com 2,5% em 2013, e deve ser ainda menor em 2014, de acordo com prognósticos de agências especializadas.
Nesse dia 10 de dezembro, quando se comemora o Dia Internacional dos Direitos Humanos, é essencial que a conta dos ilícitos cometidos pelo governo federal e seus parceiros privados em Belo Monte seja reapresentada ao país. Em especial, é essencial que se tenha clareza de que grande parte deles foi documentada, analisada e denunciada à Justiça que, omissa e leniente, tem permitido que sigam impunes e se repitam e se aprofundem de novo, e de novo.
Se tomarmos apenas as últimas ACPs do MPF, iniciadas entre o final de 2012 e o presente, desfilam absurdos cometidos pelo Consórcio Norte Energia. S.A. (Nesa, liderado pelo Grupo Eletrobrás) como o não cumprimento de 40% das condicionantes do licenciamento ambiental do empreendimento; informações falsas do empreendedor ao Ibama; sub-estimação da área de alagamento na zona urbana de Altamira (Cota 100), e ausência de cadastramento dos atingidos; violações da licença ambiental e novo descumprimento de condicionantes; irregularidades do empreendedor em cumprir a obrigação de aquisição de terras para os indígenas Juruna da aldeia Boa Vista, com danos graves, desagregação e risco à sobrevivência da comunidade; impacto sobre os indígenas Xikrin, moradores do Rio Bacajá; irregularidades nas obras de reassentamento dos moradores de Altamira a serem atingidos pelos alagamentos, modificação nos projetos originais sem anuência dos atingidos, desconformidade das construções com o código de obras da cidade, e muito mais.
Várias ações obtiveram liminares favoráveis, posteriormente derrubadas sem análise do mérito através da aplicação da Suspensão de Segurança, instrumento engendrado pela ditadura militar e generosamente aplicado por presidentes do Tribunal Regional Federal da 1a Região (TRF1). A maioria das ações aguarda, engavetada, julgamento em primeira instância, e outras tantas no TRF1.
Uma ação, em especial, ajuizada pelo MPF em 2006 e que cobra do Estado o respeito à Constituição no tocante ao direito das populações indígenas de serem consultadas em casos de empreendimentos que impactem suas terras (oitivas indígenas, artigo 231 da CF), está aguardando julgamento no Supremo Tribunal Federal. Ainda em novembro de 2012, o Movimento Xingu Vivo Para Sempre e seus aliados solicitaram à presidência do STF uma audiência sobre o caso, pedido reforçado pelo bispo da Prelazia do Xingu, Dom Erwin Kräutler, em abril de 2013, e novamente apresentado ao Supremo pelo Xingu Vivo e parceiros em 4 de dezembro deste ano.
Dezenas de outras ações de agricultores, pescadores, ribeirinhos e moradores de Altamira seguem paradas na subseção judiciária da cidade, enquanto se acumulam histórias de vidas destroçadas, misérias e sofrimentos. Longe de se condoer com esta situação, para reprimir os protestos dos atingidos, bem como os dos operários da usina, o governo federal enviou para Belo Monte a Força Nacional de Segurança, que passou a agir como guarda privada dos empreendedores da hidrelétrica.
Modus operandi semelhante passou a ser adotado nos complexos hidrelétricos da bacia do Tapajós, onde está prevista a construção de três grandes usinas no Rio Tapajós, e, em seus afluentes, quatro grandes barragens no Rio Jamanxim, cinco no Rio Teles Pires, e 17 no Rio Juruena (além de mais 80 pequenas centrais hidrelétricas – PCHs), que estão em colisão direta com Terras Indígenas, territórios ribeirinhos e Unidades de Conservação.
As ofensivas do governo federal, lideradas pelo Ministério de Minas e Energia (MME) e a Advocacia Geral da União (AGU) que marcam os projetos da bacia do Tapajós vão na mesma direção de Belo Monte: decisões políticas sem consulta aos povos indígenas e sem análise de impactos cumulativos, violando a legislação brasileira e normas internacionais, como a Constituição e a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT); atropelos e pressão sobre órgãos de licenciamento (Funai, Ibama, Iphan); e repressão e tentativas de cooptação de movimentos de resistência, com especial ênfase dos indígenas Munduruku e Kayabi.
Em construção, a UHE Teles Pires, no Rio Teles Pires, foi objeto de duas ACPs do MPF que apontaram graves violações de direitos e falhas no Estudo de Componente Indígena. Em setembro deste ano o TRF1 decidiu pela paralisação das obras; porém, mais uma vez, a pedido da AGU, foi aplicada a Suspensão de Segurança pelo presidente do STF em exercício – alegando “grave ofensa à ordem econômica”, permitindo a retomada dos trabalhos, ignorando os direitos fundamentais da pessoa humana. Com isso, instaura-se uma verdadeira política da indiferença em relação aos povos e comunidades afetadas por grandes empreendimentos na Amazônia brasileira, autorizando as mais diversas violações de direitos fundamentais e ambientais.
Também no Rio Teles Pires, o setor elétrico propõe a construção da UHE São Manoel, que ficaria a poucos metros do limite da TI Kayabi. Com licenciamento suspenso temporariamente em 2011 após protestos dos indígenas Munduruku, Kayabi e Apiaká, o projeto foi retomado após fortes pressões da Empresa de Pesquisa Energética (EPE) sobre o judiciário, o Ibama e a Funai. De acordo com o (incompleto) Estudo de Componente Indígena, os impactos da usina sobre os indígenas são tão graves que a tornam inviável, posição sustentada pela Funai até novembro deste ano. Estranhamente, sem resolver os problemas apontados por seus técnicos, no dia 27 daquele mês a presidência da Funai mudou de posição através de um ofício ambíguo ao Ibama, e, dois dias depois, saiu a Licença Prévia (LP) do projeto para que fosse a leilão da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) neste próximo dia 13.
Já no Rio Tapajós, o governo armou nova operação de guerra para viabilizar os estudos das usinas de São Luiz do Tapajós e Jatobá. Assim como em Belo Monte, mandou para a região seu braço armado, a Força Nacional de Segurança, para controlar a resistência dos Munduruku, que não aceitam o projeto sobre o qual nunca foram consultados e que afeta diretamente seus territórios e modos de vida.
Paralelamente, o governo federal diminui inconstitucionalmente, por Medida Provisória, mais de 75 mil hectares de cinco Unidades de Conservação para possibilitar a construção das usinas de São Luis do Tapajós e Jatobá. A Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) da Procuradoria Geral da República referente a estes crimes permanece, desde fevereiro de 2012, sem apreciação da Justiça no STF.
Cabe ressaltar, por fim, que a construção de hidrelétricas na Amazônia só tem sido possível graças aos generosos financiamentos do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e outros bancos públicos, que utilizam o dinheiro dos contribuintes brasileiros, sem um mínimo de transparência sobre critérios de análise de riscos e da viabilidade socioambiental e econômica de projetos, e na ausência de mecanismos efetivos para garantir o respeito aos direitos das populações afetadas e outras obrigações de responsabilidade socioambiental dos empreendedores, contando com a baixa aplicação de sanções pelo Ibama.
Demandas
Considerando as graves violações dos direitos humanos e da dignidade da pessoa humana e das ameaças às instituições democráticas, de forma que nos faz reviver o período sombrio da ditadura militar, conclamamos à toda sociedade a se juntar a nós e exigir JUSTIÇA JÁ para os atingidos e ameaçados por Belo Monte e pelos projetos da bacia do Tapajós. Exigimos:
* Que todas as instâncias da Justiça cumpram seu papel e julguem, com celeridade e idoneidade, o mérito de todas as ações relativas ao projetos hidrelétricos na Amazônia, extirpando e sanando os descumprimentos da Constituição, da legislação ambiental e da Convenção 169 da OIT;
* Especificamente em relação a Belo Monte, que o STF julgue o mérito da ACP sobre as oitivas indígenas e garanta seu direito constitucional de consulta pelo Congresso Nacional;
* O mesmo deve se aplicar aos projetos hidrelétricos nos rios Tapajós, Teles Pires e Juruena: que os indígenas sejam consultados, com poder de veto, sobre a construção ou não das hidrelétricas planejadas;
* Em relação à UHE São Manoel, que a usina seja retirada do leilão de energia A-5 de 13de dezembro de 2013 e o processo de licenciamento seja cancelado até o julgamento das ações do MPF. E, em especial, que nenhuma ação para implantação das usinas seja feita antes da realização da consulta aos povos Kayabi, Munduruku e Apiaká;
* Em relação à UHE Teles Pires, que seja derrubada pelo Supremo a Suspensão de Segurança do presidente em exercício que permitiu a retomada das obras;
* Que o STF julgue a Ação Direta de Inconstitucionalidade 4717 sobre a desafetação ilegal das Unidades de Conservação da bacia do Tapajós;
* Que seja erradicada definitivamente do arcabouço legal do país a legislação sobre a Suspensão de Segurança;
* Que seja decretada uma moratória no licenciamento e na construção de barragens na região amazônica até a realização de estudos sobre impactos cumulativos em nível de bacia hidrográfica e dos processos de consulta livre, prévia, consentida e informada, conforme a Constituição Brasileira e a Convenção169 da OIT.
BELO MONTE, JUSTIÇA JÁ! TELES PIRES JUSTICA JA! TAPAJÓS JUSTIÇA JÁ!
Altamira, Santarém e Alta Floresta, 10 de dezembro de 2013