Caciques e lideranças Munduruku denunciam intervenção do governo federal para forçar construção de usina

Posted: August 12th, 2013 | Author: | Filed under: Mundurukania, Notícias Inflamáveis | Tags: , | Comments Off on Caciques e lideranças Munduruku denunciam intervenção do governo federal para forçar construção de usina

Fonte: http://www.cimi.org.br/site/pt-br/?system=news&conteudo_id=7073&action=read

Por Renato Santana,

de Brasília (DF)

Depois de intervenção protagonizada pelo Poder Público de Jacareacanga, município ao sul do estado do Pará, caciques e lideranças afirmam, em nota pública, que o povo Munduruku seguirá contrário à construção de usinas hidrelétricas no rio Tapajós, cujas águas cortam o território indígena e se barradas inundarão aldeias, áreas de subsistência e locais sagrados do povo.

Para as lideranças Munduruku, o governo federal e demais grupos interessados, que usam a prefeitura e os vereadores para dividir o povo e facilitar a entrada do projeto de usina hidrelétrica no Tapajós. “Querem colocar pessoas que são a favor (da usina) para ter o controle. Fizeram reunião para enviar relatório ao governo”, denuncia Jairo Saw, porta-voz do cacique geral Munduruku.

No último dia 3, uma reunião para avaliar o movimento de resistência aos projetos da usina foi convocada. Cerca de 83 caciques desceram das aldeias para Jacareacanga. “A pauta dizia que era para avaliar os últimos acontecimentos do movimento. Era para fortalecer a luta contra os grandes projetos e a organização dos Munduruku de uma forma geral”, explica Saw.

Porém, o prefeito da cidade, Raulien Queiroz, filiado ao PT, policiais fortemente armados, vereadores e assessores políticos garantiram a inversão da pauta: o encontro passou a ser para mudar a direção da Associação Pusuru. Capangas proibiam registros fotográficos, quem chegasse era revistado e faixas contra o projeto hidrelétrico foram proibidas de serem abertas.

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A Associação Pusuru se tornou um dos principais instrumentos do povo Munduruku de mobilização contra empreendimentos hidrelétricos nos rios da Amazônia. Entre abril e maio, os Munduruku ocuparam por duas vezes o principal canteiro da UHE Belo Monte, no rio Xingu, e em junho realizaram manifestações em Brasília e detiveram a ação de técnicos que trabalhavam no interior do território indígena para preparar relatório ambiental em prol da construção da usina. Protestaram também na Câmara dos Vereadores de Jacareacanga, reivindicando um posicionamento contrário dos edis ante o projeto hidrelétrico do governo federal.

Todas as ações foram criticadas pelo prefeito durante a reunião, sem possibilidade de defesa por parte dos Munduruku. “Os caciques e lideranças não foram permitidos de falar e o tempo estava restrito em poucos minutos. Não existe isso em nossas reuniões. A maioria não entendeu o que estava sendo discutido, porque era para se discutir outra coisa”, destaca Jairo Saw. Na nota, o movimento aponta que o golpe foi dado por políticos da cidade que visam acabar com a resistência ao projeto hidrelétrico, mas que “não conseguiram acabar porque somos maioria”.

Maria Leusa Munduruku acabou retirada da Associação Pusuru, da qual era vice-presidente. Passou cerca de dois meses fora da aldeia, entre as ocupações ao canteiro de Belo Monte e as mobilizações de Brasília. Sempre foi contra a usina e presenciou o secretário de Assuntos Indígenas de Jacareacanga ameaçando de que não garantiria o combustível dos barcos para a volta das lideranças às comunidades se as faixas contra a usina não fossem retiradas. “O cacique com quem ele falava se intimidou. Eram muitos policiais, capangas. Fomos todos pegos de surpresa”, afirma.

Estratégia que vem de cima   

 Não é a primeira vez que o Poder Público de Jacareacanga é usado como via de acesso para a imposição de projetos nas terras Munduruku, aquém às vontades e opiniões do povo. Em agosto de 2011, representantes da empresa Celestial Green, ligada ao mercado de carbono e REDD, se reuniram com vereadores para assinar um contrato que concedia direitos de uso absoluto das terras indígenas à empresa durante 30 anos. Os Munduruku não aceitaram, denunciaram às autoridades e negaram qualquer trato.

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Para Jairo Saw, a situação presente não é diferente: o governo federal age pelo Poder Público local para impor o projeto de usina nas terras do povo. “A ideia do governo é acabar com a nossa cultura, dividir o povo e fazer a integração social do índio na sociedade que o governo controla. Se o Munduruku está reagindo é para manter a cultura; se o povo se aquietar é porque desapareceram as tradições e a língua”, explica o assessor do cacique geral.

Outro ponto destacado por Saw é o local da reunião. Para ele, a armação começa quando foi decidida a cidade para o encontro. “Eles (prefeito e vereadores) tinham medo de que acontecesse nas aldeias e as lideranças se revoltassem com a atitude dos vereadores. Em Jacareacanga eles podiam chamar a polícia a qualquer momento, intimidando os caciques e lideranças”, analisa Saw. O encontro foi arcado, segundo a liderança, pelos próprios gestores municipais. Dos 83 caciques presentes, apenas seis tiveram direito a fala.

Num outro sentido, as lideranças Munduruku apontam a ingerência dos vereadores indígenas. Saw explica que mesmo que eleitos com votos Munduruku, os parlamentares indígenas não representam o povo e tampouco podem falar e decidir pelo povo, tal como aconteceu na questão do contrato com a Celestial Green e agora no caso da construção da usina. A decisão dos Munduruku é uma só: contra qualquer usina nos rios da Amazônia, sobretudo no Tapajós.

“Então eles precisam respeitar isso. Governo federal tem que discutir com a gente, nossa opinião é que vale. Da outra vez foi a mesma coisa: Paulo Maldos (da Secretaria Geral da Presidência da República) se reuniu com os vereadores, enquanto os caciques ficaram esperando por ele na aldeia Sai Cinza”, frisa Saw.

Os vereadores indígenas alegaram que o movimento Munduruku, em suas ações, sobretudo na retirada dos técnicos do interior da terra indígena, “passa por cima” do cacique geral. Saw rechaça a acusação: “Assessoro o cacique geral e ele acompanha o movimento de resistência, assim como os outros caciques. Inclusive ele esteve presente aqui em Jacareacanga para que os guerreiros mantivessem o controle e ele ter como orientar”.

Nota pública do movimento Munduruku:

docmunduka

 


Desmandos e autoritarismo marcam encontro indígena em Jacareacanga, sul do Pará

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Por Claudemir Monteiro,

de Belém (PA)

Parecia Estado de Sítio. Policiais militares e da força tática fortemente armados, agentes da Prefeitura espalhados por todo lugar, políticos e o próprio prefeito monitorando e esbravejando pelos cantos, proibindo e deixando de proibir. Acreditem, era uma reunião de caciques e lideranças indígenas que aconteceu no último 3 de agosto. A cidade: Jacareacanga, povo Munduruku, sul do Pará.

Era perto de 8 horas da manhã quando uma ordem, estabelecida entre indígenas da mesa coordenadora e autoridades locais, autorizava apenas caciques a entrar na reunião. Demais lideranças estavam dispensadas, o que não foi aceito e um novo acordo garantiu a participação de todos.

Acomodados no ginásio poliesportivo da cidade, foi anunciado por uma liderança indígena (que coordenou quase todo o evento) que não seria permitido o uso de faixas, e apenas a TV Buré, afiliada ao SBT, pertencente ao prefeito da Cidade, e o Conselho Indigenista Missionário (cimi) podiam fazer registros fotográficos do evento.

Um pouco surpreso e sem entender a razão do Cimi ter essa exclusividade, busquei uma máquina fotográfica para cobrir o evento. Dirigi-me a uma militante do Comitê Metropolitano Xingu Vivo, que se encontrava na arquibancada, para emprestar a máquina, mas percebi que pelo menos oito pessoas me observavam (quatro policiais, o prefeito e três capangas). Me apresentei como membro do Cimi. O próprio prefeito, que atende pelo nome de Rauliend, do PT, me disse: “Você tem autorização, mas esta máquina não. Pois pertence àquela moça que há algumas semanas esteve fazendo baderna na cidade”. Tentei explicar que aquela moça teria vindo pela primeira vez, mas num tom neurótico o prefeito gritou: ”Se esta máquina for usada eu mando quebrar”.

Disse isso sob o auspício dos policiais, cujo comandante Anderson me alertou que o papel da polícia estava em proteger a vida dos ‘baderneiros’, pois da ultima vez que estiveram na cidade tinham causado muitos tumultos e o povo queria linchá-los, então seria bom controlar os ânimos. Voltei com a máquina e devolvi para a dona e disse para que tomasse cuidado, pois poderiam cumprir a ameaça de quebrar. E de fato quase o fizeram. Pois o capanga do prefeito que atende por nome de “Perito” tentou de forma violenta arrancar a máquina do braço da militante, sob olhares da polícia, cuja função, segundo eles, era de proteger. Só não o fez porque um grupo de guerreiros levantou e foi em cima do agressor, que se sentindo pressionado saiu e sumiu do ginásio.

Na mesa de abertura do evento estavam presentes o cacique geral dos Munduruku, o presidente da Associação Pusuru, Cândido Munduruku, o comandante da Polícia Militar, comandante da Polícia Tática, o prefeito, um representante da Funai e , por fim, um representante da Sesai.

Patrocínio da prefeitura

Na fala do prefeito já mostrava quem era o patrocinador do evento. A reunião tinha apoio da Prefeitura, porque ele acreditava na unidade entre não índios e os Munduruku. Disse que esperava que na reunião os indígenas definissem pelo desenvolvimento do município, o que seria bom para todos. E disse que todos eram bem vindos, menos aqueles que vieram com intenção de tumultuar, num recado velado às ONGs que observavam o evento.

O discurso era intimidador e voltado exclusivamente para os indígenas: os ‘atos de vandalismo’ acontecidos no último mês de junho, o tumulto criado na cidade, a depredação de prédios públicos, eram crimes e que poderiam levar os índios à prisão, pois a lei dos brancos serve para os índios. Notava-se que se tratava de um discurso reproduzido, adequadamente, como professa o governo petista.

Aliás, após desfeita a mesa das autoridades, se compôs a mesa indígena que avaliaria os últimos acontecimentos e buscaria ‘outro rumo’ para a PUSURU. Porém o mais intrigante foi a presença de meia em meia hora do sr. Ivanio (assessor do prefeito e secretário de assuntos indígenas da prefeitura) na mesa coordenadora. Como um fiscal, um monitor, mostrando e dizendo que ele estava ali, bem junto, quase colado na mesa.

Do discurso para a prática

Lideranças indígenas, que tinham pedido faixas para expressar indignação contra o processo do projeto hidrelétrico de Tapajós, foram aos poucos colocando as mesmas no intervalo da manhã para o almoço. Mais ou menos próximo das duas da tarde, o Sr. Ivanio e quatro policiais da Rota arrancaram as faixas. Alguns indígenas presentes se queixaram, mas o Sr. Ivanio falava alto “quem não se adequar às condições, que assuma as despesas do evento”. Estava se referindo às quase duzentas cadeiras e serviço de som que pertencem ao próprio. Só não se sabe se foi gasto dinheiro público da prefeitura o material.

Nesse mesmo momento um casal de estudiosos, ele antropólogo americano e ela uma estudante italiana, que acompanhavam o grupo do Tapajós Vivo, chegaram ao momento em que arrancavam as faixas. Perceberam que havia algo incomum e decidiram sair, mas foram parados pelos policias que pediram para olhar suas máquinas. Não bastou dizer que não registraram nada. Sem dó apagaram (os policias) todos os registros fotográficos do casal. Dois membros do Fórum da Amazônia Oriental (FAOR) foram parados por pessoas não identificadas que perguntavam sobre a identidade e origem do grupo. O membro do FAOR se apresentou dizendo seu nome e a origem, de Belém. Assim mesmo foram indagados sobre se não tinham o que fazer para estar naquele evento. Foi quando o militante do FAOR apresentou a carta convite da PUSURU justificando sua presença.

Se formos elencar as várias outras atitudes de estranhos, policiais, de agentes da prefeitura vamos fazer uma dissertação de autoritarismos. Mas o certo é que toda coerção fez efeito sobre os indígenas. Os Munduruku saíram do ginásio, depois de quase 20 horas, com uma “nova PUSURU”. Mantendo o atual presidente e incluindo três novos membros. Uma PUSURU adequada ao jeito “Rauliend de ser”. Que não brigue com o governo do PT e mais aberta para dialogar com o governo sobre a hidrelétrica. O sempre coordenador indígena do evento chamou a atenção dos observadores dizendo: “Somente esses quatro tem o papel de representar a PUSURU e fazer documentos com papel timbrado”.

Em conversas com pelo menos 30 caciques após o evento, ficou nítida a confirmação do que acabo de escrever. Diziam que não sabiam o que vinham fazer nessa reunião. Outros diziam: “Fiquei calado por medo de não ter combustível para voltar para casa”; ou: “Tinham muitos policias por lá”; ou ainda: “O pessoal do prefeito tava olhando”. Mas o certo é que há insatisfações. Não sei bem certo se a PUSURU vai conseguir dominar e representar essas insatisfações, cujas vozes reclamam e não aceitam nenhum diálogo com o governo em relação às hidrelétricas.

Conclusão

Na condição de observador, a conclusão que apresento foi de uma armação entre prefeito, vereadores ligados à base, incluindo alguns vereadores indígenas, e militantes para anular a ação dos guerreiros Munduruku contra o processo hidrelétrico no rio Tapajós, imposto pelo governo Dilma, assim como foi feito com Belo Monte, no rio Xingu.

Primeiro era necessário trazer os caciques para Jacareacanga, mudar a associação e enquadrar os indígenas revoltosos. Conseguiram puxar essa reunião indígena para Jacareacanga. É bem sabido que Jacareacanga é uma cidade caracteristicamente indígena. Porém, no meu entender indigenista, uma reunião de assuntos internos se faz numa aldeia, longe e sem interferências de terceiros. E não foi isso que aconteceu nesta reunião do dia 3 de agosto. A interferência na reunião foi descaradamente imoral, baseada em coerções com polícia fortemente armada, com funcionários e até capangas do prefeito espalhados por todo o ginásio, com um secretario de assuntos indígenas, inspetor das decisões, e com indígenas com discursos afinados com o governo local. Não poderia sair outra coisa a não ser uma conformação adequada para reatar um diálogo com o governo do PT, que tinha na PUSURU uma resistência sem igual e vista nos últimos meses. Agora só nos resta saber se vão conseguir enquadrar os indígenas revoltosos.

fonte: http://www.cimi.org.br/site/pt-br/?system=news&conteudo_id=7071&action=read